A Pele que Habito (La Piel que Habito)
Ano: 2011
Diretor: Pedro Almodóvar
Duração: 120min
Robert Ledgard (Antonio Banderas) é um cirurgião plástico que não mede esforços para criar um novo tipo de pele mais resistente, que pensa poder ter salvo sua mulher há doze anos atrás. Mas ele precisa de uma cobaia...
Eu não quero revelar muito da trama pra quem não assistiu ainda, pois a história é realmente surpreendente e chocante, um retrato da humanidade sem escrúpulos. Mesmo assim o post não estará livre de spoilers.
Quando assisti pela primeira vez no cinema fiquei ao mesmo tempo apaixonada e atordoada por essa obra prima.
Vou tentar desdobrar o longa à partir de uma visão artística, já que as referências e inserção dos protagonistas em paralelos aqui é constante, através da plasticidade que o espanhol Pedro Almodóvar tem sucesso em construir, com ajuda da fotografia magistral de José Luis Alcaine e direção de arte de Carlos Bodélon.
Vestida de uma sobre-pele bege, desenhada por Jean-Paul Gaultier (estilista que já havia colaborado no figurino de Kika e Má Educação) , Vera, vivida pela belíssima Elena Anaya, dá tridimensionalidade à arte da francesa Louise Bourgeois, tomando consciência de que:
"Minha escultura é meu corpo e meu corpo é minha escultura".
No trabalho da artista plástica, enxerga-se referências à feminilidade, ao útero e ao arquétipo da Grande Mãe. O lado reprimido do personagem, que agora ele busca aceitar, em contraponto à uma masculinização que lhe era empurrada.
Os bonecos são tanto seus companheiros como alter-egos, paridos do sofrimento e solidão, que retratam a evolução e sentimentos da personagem.
Outro paralelo que pode ser feito à partir da artista é o nascimento em uma família de restauradores de tapetes; Assim como Vicente (Jan cornet), ela acompanhava a rotina da mãe, gerente de uma equipe de costureiras do atelier francês.
Não muito diferente de Bourgeois, o personagem de Banderas assume uma busca incessante em explorar e testar os limites do corpo. Roubado de suas figuras femininas, sem poder protegê-las, sente-se impotente e ao mesmo tempo culpado. Assim, ele resolve aniquilar o falo e moldar um arquétipo ideal, que ele julga ter total controle sobre.
Porém Vicente/Vera não é apenas carne ambulante a ser manipulada, o personagem é complexo e carregado de emoção, guia-se por livre arbítrio e não comandos absorvidos por uma inteligência artificial programada. Apesar de aparentar passividade, esconde a raiva pela tortura que foi submetido sob sua nova roupagem.
Os desenhos, a arte e a escrita são sua forma de fazer respirar seu caos naquele mundo estranho e doloroso, escondidos sob aparências luxuosas.
No longa, ainda somos deslumbrados por reproduções em grande escala de pinturas do italiano Ticiano, como "A Vênus de Urbino" que aparece nas seguintes cenas, servindo de testemunha às interações que se dão entre os personagens.
Notamos aqui que Robert não admira mais as representações femininas à sua volta, ele só tem olhos para sua magna opera.
Ao perceber-se forte e símbolo de desejo, Vera agora pode usar essa consciência à seu favor, tendo a possibilidade de confrontar seu Pigmalião.
Outra Vênus de Ticiano, reproduzida abaixo.
Podemos reconhecer Vera como musa e a própria "Vênus de Robert", sua Galantéia personificada.
Um homem obcecado pela estética corporal, que se rodeia de cultos artísticos à beleza e à anatomia, se alimenta de seu trabalho e vive apenas para atingir seus objetivos, ele aprecia sua versão da Deusa da Beleza, em carne e osso, uma mulher perfeita. Ele atinge o que deseja há muito tempo com uma imagem de Frankenstein aos avessos; Ao invés do sujo e grotesco, temos uma criatura impecável construída pela tecnologia biológica nas mãos de um cientista louco marcado por tragédias. Cirurgicamente bem construído, o vilão esconde suas emoções debaixo de uma frieza sobre-humana, com a qual executa seu plano de vingança.
Assim como no famoso romance de Mary Shelley, o Dr. não aceita a fragilidade e mortalidade que o cercam, ele almeja aperfeiçoar a natureza e tomar de volta, de algum jeito, aquilo que lhe foi arrancado, custe o que custar.
E também aqui tem um servo e cúmplice fiel, encarnado por sua protetora e governanta Marilia, interpretada por Marisa Paredes.
Apaixonado pelo Brasil, o diretor quis retratar uma família com origens brasileiras no longa, pois segundo ele nosso país é reconhecido por cirurgiões plásticos como o mineiro Ivo Pitanguy, um dos mais renomados do país e do mundo. Outros elementos de nossa cultura se fazem presentes na trilha sonora de Alberto Iglesias (outro colaborador frequente nos filmes de Almodóvar) e em um quadro pintado por Tarsila do Amaral.
A fantasia extravagante de Zeca (Roberto Álamo) aliás, também foi obra do estilista Gaultier, que deixou a cauda do tigre bastante...err...fálica, como dá pra ver no detalhe.
Peraí, o desenho formado na máscara da personagem, mais especificamente em volta do nariz e boca, não te lembram alguma coisa também?
Ainda conferimos a arte surrealista de Guillermo Perez Villalta, ao lado. Uma espécie de mistura entre Salvador Dalí e o movimento Renascentista, a obra de cores vivas parece retratar uma figura feminina e submissa, pela forma que se coloca, aparentemente rendida e uma figura masculina mais ativa, que contempla e agracia sua musa, ao mesmo tempo em que podemos analisá-lo de outra forma... A mulher pode estar usando de sua forma e delicadeza para seduzir e manipular seu admirador.
O roteiro incrível e aterrador escrito pelo próprio diretor, é baseado no livro do francês Thierry Jonquet, Tarântula. Coincidentemente a marca registrada da artista Bourgeois é essa aranha giganta aí acima, que remete curiosamente à obra escrita em 1995, além do simbolismo feminino em comum.
Seria este um horror ficcional fantástico ou a realidade que se esconde sob a pele, esperando por uma chance de abarcar a faceta transcendental?
Peraí, só mais um pouco...
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Filme nº 344
Os Olhos Sem Rosto (Les Yeux Sans Visage)
Ano: 1960
Diretor: Georges Franju
Duração: 88min
O professor Génessier (Pierre Brasseur), célebre cirurgião, tem uma filha chamada Christiane (Edith Scob), que devido à um acidente, ficou terrivelmente desfigurada. Para restituir-lhe a beleza, ele sequestra e mutila belas moças, com a ajuda da enfermeira Louise (Alida Valli).
Apesar de notarmos referências aos clássicos noir de Fritz Lang e Hitchcock, além de óbvias semelhanças ao conto de Shelley, o diretor espanhol garante que sua única influência cinematográfica direta foi essa produção francesa dos anos 60.
Adaptação do romance policial de Jean Redon, que ajudou a escrever o roteiro para o filme, a obra franco-italiana tem fotografia do polonês Eugen Schufftan, que já havia trabalhado anteriormente com Fritz Lang.
Apesar de classificado como um filme de horror, o diretor via-o mais como "uma fábula de angústia". E devo concordar com Franju, já que desde o início da trama somos inquietados pela trilha sonora de Maurice Jarre, que por vezes beira o cômico, por mais estranho que pareça. A sequência inicial onde a enfermeira vivida por Alida Valli dirige aflita, enquanto leva o corpo da vítima mais recente a ser descartado no lago, surte o mesmo efeito.
A dupla formada por ela e seu mentor Génessier (Pierre Brasseur), posa fria e calculista, com exceção da cena logo após o funeral falso de Christiane, quando a 'mulher do colar de pérolas' hesita e parece querer acabar com tudo aquilo. Afinal, é ela que coloca-se em perigo, recrutando jovens moças nas ruas de Paris e levando-as obedientemente até o Dr. a lá Frankenstein em sua mansão isolada.
O sisudo personagem desnudado de escrúpulos só aparenta ter sentimentos por sua filha. Já que não é capaz de perdoar-se por ter lhe infligido o desfiguramento devido à um acidente de carro, insiste em dar-lhe uma nova face, às custas do sacrifício de inocentes mulheres.
Já a personagem de Edith Scob é tão apática e submissa quanto a máscara que usa, sendo cúmplice dos crimes de seus protetores e observando as mulheres que vem e vão da casa/laboratório.
O desolamento em seus olhos sem face também são desconcertantes. Ela anuncia seu desespero e chega a declarar preferir estar morta à seu atual tormento.
Vestida de forma igualmente ingênua por Givenchy, ela arrisca-se fazendo ligações à seu noivo Jacques (François Guerin), o que alerta-o para ir até a polícia.
Talvez cansada do experimentalismo médico à que é submetida frequentemente e frustrada das tentativas sem sucesso do pai, ela exerce protagonismo apenas quando o longa aproxima-se do seu desfecho, libertando a si e aos animais de suas jaulas douradas. Afinal, a personagem não deixava de ver-se como os cães, usados para fins egoístas pelo professor e deferidos de carinho.
Assim como Freaks (1932), foi considerado um filme 'maldito', recebido como imoral e impróprio pelo público na época e somente adquiriu status e reconhecimento com o passar dos anos. Talvez porque assim como no longa dos anos 30, deixa de lado os fantasiosos monstros hollywoodianos e escancara o pior do caráter humano, fruto do pessimismo pós Segunda Guerra Mundial.
Sinceramente, acredito que o longa desperta mais curiosidade do que choque. Nem chega perto de assustador ou aterrorizante, está mais para um drama perturbador, onde o que causa assombro de verdade é a figura ensanguentada, sem rosto que ficamos imaginando o tempo todo. O medo do telespectador fica por conta da antecipação do que pode vir a acontecer dentre sequências escuras e silenciosas. O horror está presente no inconsciente de cada um.
Um dos fundadores da Cinemateca Francesa e fã de Luis Buñel, o diretor procurou realizar uma obra com influências do expressionismo alemão, do surrealismo e do teatro Grand Guignol, especializado em espetáculos de horror naturalista. Talvez a maior representação do tipo seja aquela cena da cirurgia, que diz ter feito gente desmaiar no cinema, como era comum nos polêmicos e incômodos shows criados em 1894 por Oscar Méténier.
Além de A Pele que Habito, Olhos sem Rosto foi referenciado em inúmeros filmes posteriormente, principalmente de terror, como em Halloween (1978) do diretor John Carpenter. Em 1987 foi refilmado como Faceless (Sem Face), por Jésus Franco, espanhol conhecido por dirigir filmes B de horror sensuais e longas eróticos.
Dá pra ver que Almodóvar bebeu do longa de Franju e da icônica máscara da personagem, mas apenas superficialmente pois os dois são totalmente distintos. Assim, é irrelevante comparar as obras, mas pessoalmente prefiro a releitura e digo mais, a personagem contemporânea veste muito melhor sua máscara.
Fonte:
Wikipedia
Imdb
http://leandromichel.blogspot.com.br/
http://amandopalavras.blogspot.com.br/
http://naestantedelolo.blogspot.com.br/
http://oseremmovimento.blogspot.com.br/
http://pontocedecinema.blog.br/
https://omelete.uol.com.br/
http://www.infoescola.com/
http://dicasdefilmespelascheila.blogspot.com.br/
https://101horrormovies.com
http://aprivadacult.blogspot.com.br/
http://filmesdeterroreraridades.blogspot.com.br/
http://blogs.diariodonordeste.com.br/
http://mundotentacular.blogspot.com.br/
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/cadernoseminal/article/viewFile/12019/9406
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