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Ali Baba

O interesse por contos de fadas atingiu seu auge no final do século 17, época na qual Antoine Galland (1646-1715) começou a trabalhar em cima de manuscritos árabes recheados de histórias fantásticas, como a do marinheiro Simbad, conto que ele publicou em 1701. Alguns anos depois focou-se em um manuscrito sírio datado do século 14, tomando liberdades artísticas na transliteração das histórias narradas por Sherazade ao Rei Shariar em As Mil e Uma Noites; inserindo à coletânea fábulas que havia escutado do sírio Hanna Diab, como Aladim e a Lâmpada Maravilhosa e Ali Babá e os Quarenta Ladrões.


No conto original, Aladim (do árabe Alä' ad-Dïn, 'nobreza da fé') é na verdade um jovem chinês que vive com os pais, mas recusa-se a aprender o ofício de alfaiate, sendo descrito como teimoso e desobediente. Ele é recrutado por um feiticeiro poderoso que entrega-lhe um anel mágico e pede-lhe que traga a lâmpada de um jardim encantado subterrâneo, repleto de riquezas. Já a princesa com a qual o personagem principal acaba se casando, chama-se Badroulbador (do árabe badr ul-budür, 'lua cheia das luas cheias'), moça mimada e vaidosa.

Aladim e a Lâmpada Maravilhosa (1928),
 Virginia Frances Starret

Afim de embarcar numa aventura alucinante à bordo de um tapete mágico a voar? Vamos nessa então.

Vem gata que vou te levar pro Mundo Ideal.

Idealizado pelo compositor Howard Ashman, antes de morrer em 1991, Aladdin tornou-se um dos maiores clássicos dos estúdios, integrando a onda de sucessos que marcou o período conhecido como Renascimento da Disney (1989-2000), faturando mais de 217 milhões de dólares apenas nos EUA. Após o falecimento do parceiro de trilhas, Menken convocou Tim Rice - que mais tarde colaborou com Elton John em O Rei Leão (1994) - para finalizar as canções do longa, resultando na vencedora do Oscar, Globo de Ouro e Grammy de Melhor Música no ano de 1993, 'A Whole New World'.



Ao contrário de A Bela e A Fera (1991), onde os animadores esforçaram-se para dar realismo aos corpos e movimentos dos personagens, aqui eles decidiram explorar outro estilo, inspirados principalmente pelo cartunista Al Hirschfeld, famoso por seus traços exagerados, formas arredondadas e linhas abertas. O designer de produção Richard Wende considerou a referência adequada para a animação, pensando na caligrafia árabe e na arte das miniaturas persas, influenciadas amplamente pelos traços chineses. Hirschfeld também foi forte influência para criação do Gênio concebido por Eric Goldberg e dublado na versão original por Robin Williams.


Aliás, a produção atribui grande parte do sucesso ao divertido e irreverente amigo azul de Aladdin, cujas inúmeras transformações foram baseadas nas apresentações de stand-up de Williams, que acabou ganhando um Globo de Ouro por seu trabalho vocal, mudando a visão sobre o trabalho dos dubladores, raramente reconhecidos. Ao todo chegando a gravar mais de 16 horas de improvisação, ele imita personalidades como Jack Nicholson e Robert De Niro na pele do Gênio.

Eric Goldberg




Arte Conceito, Disney

 "Ele sempre nos deu uma grande quantidade de vozes para escolhermos. Ele gravou exatamente como estava escrito, mas com cerca de 20 estilos diferentes. John, Ron e eu levamos todas as faixas para o estúdio e colocamos aquela que mais nos fez rir e que ficou mais adequada ao personagem" comenta Goldberg.



Segundo o compositor Alan Menken, 'Friend Like Me', música que dá vida ao show das maravilhosas possibilidades criadas pelo Gênio, foi pensada para ser cantada à maneira do pianista Fats Waller, cujo estilo Robin aprendeu a copiar especialmente para interpretar a canção. Sim, o ator é g-e-n-i-a-l, de fato; não é por patriotismo no entanto que prefiro a versão com vozes brasileiras, com as quais fui criada. Sorry, guys. Aqui quem dublou os personagens foram Marcos Jardym e Joseph Carrasco (Aladdin), Silvia Goiabeira e Kika Tristão (Jasmine), Jorgeh Ramos (Jafar) e Márcio Simões (Gênio).

 Essa é a mistura do Brasil com o Egito 
 ... ops, track errado...

O humorista ainda dublou o vendedor árabe que aparece no começo do filme, entoando 'Arabian Nights', que foi alterada após o Comitê Anti-Discriminação Árabe-Americano posicionar-se declarando que a música era ofensiva e tinha conteúdo violento; à exemplo da frase "Where they cut off your ear /if they don't like your face" que na versão brasileira ficou "Vão cortar sua orelha para mostrar pra você como é bárbaro o nosso lar", além da adição na dublagem "Tem um belo luar e orgias demais". 

                                                               The Large Pool of Bursa (1885), Jean-Léon Gerome

Ainda hoje a cultura oriental é muito associada à poligamia e aos famosos haréns de sultões poderosos de antigamente, onde as mulheres eram no geral escravas e tratadas como propriedade sexual; além das casas de banho que serviam de fachada para a prostituição. Aparentemente a situação não mudou muito de uns séculos pra cá, "os homens da Arábia Saudita gastam muito de sua enorme riqueza em sexo. Eles vão a vários países em turismo sexual e gozam da companhia de prostitutas caras, e então perambulam livremente em sex shops de países estrangeiros." comenta Talisma Nasrin, ex-mulçumana nascida em Bangladesh. 


Sendo o primeiro personagem a aparecer em cena, ele situando-nos na fictícia Agrabah, narrando a história de Aladdin, que se passa aproximadamente no século IX, em um Oriente Médio medieval, baseado nos cenários de As Mil e Uma Noites. Para composição destes o supervisor de layout, Rasoul Azadani - do qual foi tirado o nome para o capitão da Guarda na animação -, utilizou-se de fotos tiradas em sua terra natal, Isfahan. Os desenhistas também usaram como referência animações dos estúdios das décadas de 40 e 50, assim como o filme O Ladrão de Bagdá (1940), do qual foram incorporados diversos aspectos.



Inicialmente, o roteiro apresentaria um protagonista com apenas 15 anos, órfão apenas da figura paterna e cercado por três companheiros ao invés do macaquinho Abu; além do Gênio do Anel da versão original. A ideia foi rejeitada pelo chefão Jeffrey Katzenberg, que mandou Ron Clements e John Musker reescreverem a trama. Durante o período de produção conhecido como Black Friday, personagens foram redesenhados, além de storyboards e músicas descartados, com a colaboração de Ted Elliott e Terry Rossio, que seriam responsáveis futuramente pelo script de Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (2003).

Glen Keane

"Nas tiragens iniciais, nós fizemos-lo um pouco mais jovem e ele tinha uma mãe na história. [...] Em seu design ele tornou-se mais atlético, mais preenchido, mais como um jovem líder, mais como um galã adolescente do que antes." comenta o diretor e produtor John Musker.


Glen Keane ficou encarregado do visual do protagonista, inspirando-se no ator Tom Cruise para torná-lo mais atraente, apesar de ter feito questão de criar um personagem masculino engraçado, inteligente e corajoso, características que sobressaíam-se à sua beleza, diferente de heróis anteriores dos estúdios, que incorporavam o arquétipo de 'bonitão-valente'.  


O diretor de arte, Bill Perkins, queria incorporar elementos da arquitetura e escrita àrabes ao longa, o que resultou nas similaridades existentes entre Jasmine e o Taj Mahal, por exemplo. Provavelmente os criadores foram inspirados pela bela e trágica história de amor envolvendo uma das sete maravilhas do mundo. Mas peraí, o palácio não fica na Índia?... Sim, mais especificamente na cidade de Agra (Lembra alguma coisa?). Na verdade ela é uma fusão entre técnicas arquitetônicas hindus e persas, marcante pela ostentação de diversas pedras preciosas e mármore branco. Os principais elementos presentes nas construções árabes são as colunas, arcos e cúpulas, além de decoração com mosaicos e arabescos. No caso dos palácios e mesquitas, o planejamento é acompanhado de um jardim com pequenos pavilhões.


Outros elementos simbólicos usados ao retratar a personagem, são a fonte de água, ao lado da qual ela aparece no jardim do palácio e os pássaros presos, os quais ela liberta no fim da cena. A escolha do figurino em azul claro não foi à toa, já que a água é a substância mais preciosa que pode ser encontrada no deserto; já a segunda metáfora é mais óbvia, caracterizando sua condição de jovem rica e bem cuidada, que sente-se sufocada por figuras masculinas mais velhas, desejando libertar-se de sua jaula dourada.


Situação semelhante à da personagem de Audrey Hepburn no clássico A Princesa e o Plebeu (1953), que decide aventurar-se pelas ruas de Roma após sentir-se encurralada por suas obrigações como membro da realeza; influência direta para a sequência em que Jasmine escapa dos muros do palácio à noite e descobre uma realidade bastante diferente da sua no centro urbano de Agrabah.


Críticas se formam ainda hoje com relação ao figurino fetichizado e curvas irreais dadas à princesa Jasmine, criada por Mark Henn, que baseou-se à princípio na atriz Jasmine Guy para compor os traços da personagem, recorrendo enfim à imagem de sua irmã mais nova (Beth Allen), após encontrar dificuldade para dar expressão à princesa islã. Certamente ele optou por inspirar-se nos trajes das odaliscas ou dançarinas do ventre, arte de origem primitiva onde as mulheres aliam seus movimentos aos da serpente no ritmo de belas músicas, prática que ganhou aspectos sensuais exóticos e chegou a ser banida em países àrabes de religião conservadora. 

Roupas de dançarinas na Pérsia medieval

Como prós temos que Jasmine é a primeira princesa étnica retratada pelos estúdios, além de não aceitar as regras impostas pela sociedade patriarcal na qual vive, lutando para que possa escolher um pretendente que lhe agrade, chegando a fazer graça de Aladdin como Príncipe Ali e do ganancioso Jafar. Ela ainda distrai o feiticeiro por alguns momentos usando seu sex appeal para dar alguma vantagem ao herói que tenta derrotar o antagonista. Daí surgem também contras, já que ela vira prisioneira e objeto do vilão, tendo de ser salva pelo 'namorado'; lembrando que a trama não deixa de girar em torno do romance 'impossível' do casal durante boa parte da história.

Claire Hummel, 2011

A artista Claire Hummel criou uma série de ilustrações digitais nas quais imagina as personagens femininas da Disney vestidas de maneira mais apropriada, conforme o contexto histórico e local de cada história.


O governante de Agrabah, um sultão ingênuo e atrapalhado, dominado pelas manipulações de seu grão-vizir, foi espelhado em O Mágico de Oz, personagem bondoso porém fanfarrão da clássica fábula infantil, vivido por Frank Morgan. Além disso ele cultiva uma obsessão por colecionar brinquedos e maravilhas mecânicas, assim como o sultão vivido por Milles Malleson no clássico dos anos 40, inspirado também por As Mil e uma Noites.


Jafar, que tampouco existia no conto original, é ainda mais ambicioso que o personagem homônimo de Conrad Veidt (Casablanca), sendo que aqui ele deseja ardentemente ser o centro das atenções da princesa enquanto no livro, o grão-vizir apenas desejava casar seu filho com a personagem, mas não tinha o caráter sádico e maligno do vilão da Disney, que tornou-se uma mistura entre o mago misterioso que aprisiona Aladim na caverna e o conselheiro do sultão.


Segundo seu criador, Andreas Deja - também responsável por animar os vilões Gaston e Scar -, foi-lhe atribuído cores fortes como preto e vermelho, afim de que o antagonista fosse um contraste visual entre os outros personagens, assumindo inspirações opostas das escolhidas pelo restante da equipe.

Andreas Deja

Gilbert Gottfried, intérprete de Iago - o papagaio-espião de Jafar, que aparentemente chamaria-se Sinbad -, também ajudou a construir os trejeitos do personagem ao qual deu voz, utilizando-se de improvisações cômicas.


O desenhista Will Finn tentou inserir alguns traços do dublador ao visual do pássaro, especialmente os olhos semi-cerrados e os dentes à mostra. Antes sério, esnobe e portador de um sotaque britânico, tais características foram repassadas para seu mestre.


 Aparentemente as mudanças exigidas pelo presidente dos estúdios na época eram tantas que os animadores não deixaram passar a oportunidade de satirizar Katzenberg, com uso de caricaturas dos diretores do filme, John e Ron no lugar dos personagens do sultão e do vizir maligno.


A dupla icônica - também responsável por A Pequena Sereia (1989), Hércules (1997) e A Princesa e o Sapo (2009) - faz uma aparição como figurantes animados ao lado do protagonista.

Ron à esquerda e John à direita.

Já o medroso e cleptomaníaco companheiro de Aladdin, o macaco Abu, foi criado pelos animadores a partir de filmagens feitas no zoológico de São Francisco. Ele foi dublado por Frank Welker, que também deu voz aos rugidos de Rajah e à Caverna das Maravilhas. Nas mitologias chinesa e indiana, cultuam-se divindades na forma de primatas, respectivamente o Rei Macaco Sun Wokong e Hanuman.


Também presente em adaptações anteriores, mas de forma menos cativante, o Tapete Mágico foi incorporado como uma espécie de substituto ao Gênio do Anel; animado por Randy Cartwright, que mantinha um pedaço de pano dobrado como referência para as posições assumidas pelo objeto animado, o personagem foi considerado um desafio para o desenhista, já que expressava-se através da pantomima, sem apresentar traços humanos ou animalescos; "É uma espécie de atuação através do origami" comenta. 


Suas composições geniais foram mescladas à pintura por computação gráfica, mesmo modo usado para dar forma à Caverna das Maravilhas, imaginada inicialmente de maneira mais semelhante ao jardim de preciosidades presente em Aladim e a Lâmpada Maravilhosa.



No oriente, os tapetes sempre tiveram dupla função, sendo utilizados para orações por representarem um espaço mágico cujas bordas relacionam-se aos elementos terrestres, decorado com motivos que denotam as ligações entre o solo e o divino. O tapete persa é extremamente importante dentro da cultura e arte local.

Mais artes conceituais aqui.

À Aladdin, seguiram-se O Retorno de Jafar (1994), Aladdin, O Resgate (1995) e Aladdin e os 40 Ladrões (1996); além da série animada exibida na mesma época, entre 1994-96 - no Brasil, 1995-97 e 1999-2002. Mas o que me dá mais saudade é o videogame lançado pela Nintendo em 1993, criação de Shinji Mikami.


Fonte:
Imdb
Wikipedia
http://www.gazetadebeirute.com/
http://www.ocamundongo.com.br/
http://www.megacurioso.com.br/
http://www.exmuculmanos.com/
http://shoomlah.tumblr.com/
http://www.fanpop.com
http://www.mtv.com

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